Mauro Dellal

A traição

 

Justino entrou no restaurante com pressa. Estava atrasado e não gostava de estar. Vinha apressado, ansioso. Uma ansiedade ruim, pois há ansiedades boas, daquelas que deixam um friozinho na barriga, mostram-nos que estamos vivos. Mas aquela... Aquela não era dessas; ao contrário, fazem-nos querer esconder, sumir, morrer talvez.
Isabella já o esperava. Sentiu-se pior ainda. Ela não era de chegar na hora. Chegou. Não sabia se ficava feliz ou preocupado com o fato, pensou, enquanto enxugava o suor do rosto: gotas de correria e temor. Não se viam fazia mais de uma semana. Ele viajara a serviço. Não gostava de viajar.
Ela o recebeu com a alegria costumeira. Isabella sempre tinha um sorriso nos lábios. Era dessas pessoas que, não importam as vicissitudes, pareciam incólumes a elas. Justino tentou se acalmar no abraço quente e no perfume gostoso dela. Ele a amava e sentia que ela o amava também. Beijaram-se. Um beijo de saudade do tamanho dos dias de solidão. Era um amor arrebatador, um amor de deuses. Justino sentiu-se um pouco melhor. Trocando carícias com as mãos. Beijaram-se de novo. E mais, e mais.
Depois de saciada a saudade, Isabella perguntou:
- Como foi a viagem, querido?
- Boa! Respondeu ele quase sussurrando.
- Que bom! Divertiu-se?
- Você sabe, Bella! Não costumo me divertir quando estou a trabalho.
- Mas nem um pouquinho? –Insistiu ela –E aquela amiga sua que mora lá?
- Ah, sim... Encontrei-me com ela, sim.
- Saíram?
O coração de Justino começou a se inquietar. Seu corpo parecia traduzir isso: estava inquieto também, não conseguia achar posição confortável na cadeira. Isabella chegou mais perto, olhou-o nos olhos e repetiu:
-Saíram?
- Sim, sim –disse ele –meio irritado.
- Conta. Disse ela acariciando a mão dele, detendo-se na aliança que ela não possuía.
O olhar de Isabella era inquisidor. Ele sentiu que não poderia escapar dele. Na verdade, haviam saído duas vezes; ele, ela e uma amiga dela. No primeiro dia, apenas um encontro formal. O que ele não esperava era o interesse da amiga no segundo encontro. Estavam em uma festa promovida pela empresa dele. Havia um quê de elegância e promiscuidade no ar. Era um local aberto, grande, com enormes áreas isoladas, tudo regado a boas bebidas; bebidas caras e comidas finas. Não se poupou nada.
Bella aconchegou-se em seu colo como uma gata a espera do carinho do dono. Ele começou a contar o que havia acontecido. Ela levantou-se e o encarou. Estava séria, mas com um olhar ansioso. Sua mudez aumentou ainda mais o clima desconcertante. Como falar, pensou ele. Como lhe dizer.
- Continue! –Disse ela.
A música do restaurante não ajudava. Era romântica; uma das que eles dois tinham como símbolo do amor deles. Justino tentou desconversar chamando a atenção de Bella para a canção.
- Nossa canção, amor!
- Unhum! Conta!
Justino então tomou coragem. Ajeitou-se o mais confortável possível. Ficou um pouco longe dela, talvez por uma questão de defesa e falou de um fôlego só, como se temesse não conseguir. Disse sobre o encontro com a amiga e com a conhecida dela, sobre o primeiro dia muito agradável; sobre como falaram das coisas antigas; sobre a vida atual dos dois... De repente ele parou. Bella ficou imóvel, esperando o desfecho, pois ele não dera nenhuma entonação que definisse a história.
- Há mais, meu bem!
- Conta!
- A amiga dela...
- Sim...
- Não sei por que –disse ele rindo –não sei por que ela cismou comigo.
- Cismou? Como?
- Você sabe... Cismou!
- Não, não sei!
- Ela... Sei lá... Gostou de mim!
Bella levantou o tronco. Seus olhos brilharam, abriu um pouco a boca e exclamou com um sorriso estranho.
- Vocês dormiram juntos!
- Não, amor. Ela tentou me beijar na festa. Foi até imprudente. Estava alta com a bebida. Recusei. Ela ficou sem graça e no dia seguinte, antes de eu viajar, até telefonou para mim se desculpando pelo arrojo. Nada aconteceu. Mas sei que não é bom ouvir algo assim.
Bella recuou os ombros, abaixou a cabeça por uns instantes, mas logo recobrou sua alegria espontânea. Abraçou Justino com ardor. Suas cabeças se cruzaram. Ele olhava aliviado para algum lugar; ela, preocupada, olhava para dentro de si. Lá, um outro homem, sem nome, sem peso a contrabalançar.
 
 

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Published on e-Stories.org on 28.08.2011.

 
 

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