Flavio Cruz

Lição de Geografia

Lá vou eu trabalhar na minha honrosa profissão de motorista do “INPS”( Ainda existe? Mudou de nome?). Henry era meu novo passageiro. Americano típico, “nascido e criado" na Flórida, como se costuma dizer por aqui. Começamos nossa conversa como sempre se começa quando você vê  alguém pela primeira vez: tempo, notícias locais, etc... Não passamos de 10 frases e Henry, falador, se interessa pelo meu sotaque denunciador e pergunta se sou de “Puerto Rico”. Aliás, ele não perguntou, ele só queria confirmar.  Parecia “sabidão” e gostava de mostrar isso. Neguei enfaticamente:
-Não senhor, sou do Brasil.
E pronunciei tudo da forma mais americana que consegui. Ele queria duvidar, mas não podia e acabou se conformando em não ter acertado.
- Mas vocês também pertencem aos EUA, não? Não são um território?
Não sabia se ele estava tentanto consertar o erro, se ele estava sendo irônico ou se aquilo era pura ignorância. Como pude constatar durante o resto de nossa viagem, era, definitivamente, pura ignorância.
-Não, não, senhor, o Brasil, até onde sei, (e aí eu estava sendo irônico) ainda (ou já)  é independente.
“ Claro”, ele disse, como quem dissesse, “eu já sabia, só estava testando você...” 
-Então, meu amigo, você também veio para cá para fugir do Chavez, do comunismo?
Por algumas frações de segundos, ainda pensei novamente que ele estivesse “me gozando”, mas daí voltei para a realidade: era um novo ataque maciço de ignorância...
-Não, meu senhor, nosso presidente é o Lula (ainda era o Lula naquela época).
 Ele coçou o queixo, meio duvidando. Pensou um pouco e depois falou:
-Mas o Lula não é aquele fulano da Bolívia que também é comunista?
Antes que eu pudesse responder, continuou com suas pérolas político-geográficas...
-Já sei, o Lula fica na Bolívia e a Bolívia é a  capital do Brasil, certo?
Expliquei calmamente que a capital do Brasil era Brasília, mas ele não conseguia fazer a distinção entre as palavras Brasil e Brasília e eu simplesmente afirmei categoricamente que a Bolívia e o Brasil eram vizinhos, tinham presidentes diferentes e nenhum dos dois pertencia aos EUA. Quanto a ser comunista, não sei, hoje estas coisas estão cada vez mais nebulosas. Diante de uma ligeira irritação na minha voz e minha afirmação insofismável, recuou, aceitou, mas não com humildade. Aceitou com arrogância, se é que isto é possível. Mas antes de depor as armas, soltou mais uma para os anais da história, quero dizer, da geografia:
-Quer dizer, que seus dois países (a Bolívia agora também era meu país, junto com o Brasil) estão ali juntos, na América Central, perto de Cuba, certo?
Aí então foi que eu notei que ele, na verdade, tinha obsessão por comunismo. Pensei em explicar para ele que praticamente comunismo não existia mais, que ele não precisava ter medo, etc, mas imbuído de orgulho nacional, expliquei para ele que o Brasil, de tão grande (até me lembrei do Hino Nacional), jamais caberia na América Central, que precisaríamos de diversas Cubas e diversas Bolívias para chegar ao tamanho do Brasil. E tem mais, falei:
-O Brasil é um país lindíssimo, mais de 2000 praias, mulheres maravilhosas, carnaval e tudo mais. Me empolguei. Fiquei até com vontade cantar “moro num país tropical, abençoado por Deus...” Não cantei,  mas diante de seu olhar estupefato, não aguentei e soltei ainda mais:
-E tem mais uma coisa: no Brasil não tem violência e não tem corrupção!
Eu sei que exagerei, mas não podia perder aquela chance de dizer isto e resgatar meu orgulho nacional. Afinal, quando vou poder dizer isto outra vez e, além do mais, quem mandou a geografia do Henry ser tão ruim assim?
 

 

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Published on e-Stories.org on 25.12.2015.

 
 

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